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O documento que mudou o mundo

“Trabalhe duro, não trabalhe duro – todos recebem o mesmo. Então as pessoas não querem trabalhar.”
Yan Hongchang

Em 1978 um pequeno pedaço de papel assinado em Xiaogang, um vilarejo na longínqua China rural, teve o poder de formatar o mundo como vivemos hoje.

Em 1949, quando Mao Tsé Tung tomou o poder, ele implantou uma brutal coletivização das terras, abolindo completamente a propriedade privada.

Essa etapa se tornaria o Grande Salto para Frente, que acabou por gerar a escassez mais mortal de toda a história.
Em 1960 a China era um caos completo. A taxa de mortalidade pulou de 15% para 68%, e a taxa de natalidade despencou.
Quem quer que fosse pego estocando grãos era fuzilado.

Os mortos por inanição chegaram a 50% em alguns vilarejos. Os sobreviventes vagueavam pelas estradas à procura de comida.

A China, foi, de longe, o maior campo de morte do mundo.

Como não poderia ser diferente, os agricultores de Xiaogang estavam desesperados pela completa falta de comida.
Mesmo desenterrando raízes, cozendo folhas com sal ou moendo cascas de arvores com farinha, eles não estavam conseguindo alimentos suficientes para a sua sobrevivência.

O gado estava tão fraco que não conseguia arar os campos.

Foi então que em uma noite no final de novembro de 1978 um grupo de 18 agricultores de Xiaogang se reuniu secretamente e tomou uma decisão radical.

Comandados por Yan Hongchang, eles assinaram um contrato que devolvia as terras para cada agricultor de forma individual.

Eles sabiam que o planejamento estatal não estava funcionando. Mas o fato de dividir a terra entre si poderia leva-los à prisão e, para tanto, concordaram que ninguém jamais saberia daquela história.

Caso alguém fosse preso, ficou combinado que os outros criariam os filhos dos prisioneiros.

Uma verdadeira contrarrevolução em plena ebulição revolucionária de Mao Tse Tung.

Então aconteceu um verdadeiro milagre. Em um ano, a extensão de terra plantada praticamente dobrou e a aldeia passou a gerar excedente de arroz.

As noticias do sucesso da “agricultura individual” rapidamente se espalharam por toda a China.
Mas em 1979, o Partido Comunista Chinês (PCC) emite uma nota reafirmando que o “trabalho individual nos campos” não estava permitido.

No entanto, como a forma de produção de alimentos aumentava de maneira vertiginosa, em 1984 o governo recua e na 35. Parada Nacional, cinco tratores desfilam na Praça Tiananmen com um gigantesco letreiro dizendo que o contrato de Xiaogang era bom.

Em 1986, oito anos depois de Xiaogang ter retomado o controle de sua agricultura, o governo central da China emitiu as Diretrizes para o Trabalho Rural. O documento foi uma decisão marcante no desenvolvimento moderno do país.

Com base na abolição das comunas populares três anos antes, endossou formalmente uma política que veio a ser conhecida como baochan daohu – um modelo de organização rural ao estilo Xiaogang conhecido como “sistema de responsabilidade doméstica”.

Com isto, reconquistando o direito de trabalhar no seu próprio campo, a produção de alimentos na China aumentou de forma vigorosa. O mais interessante que tudo aconteceu com a mesma terra, os mesmos agricultores e os mesmos bois para ararem as terras, mas com uma diferença fundamental, a responsabilidade individual de cada agricultor com o seu campo.

O próprio governo reconheceu que Xiaogang “quebrou o alto sistema de produção centralizado oferecendo ao agricultor o direito a autonomia da sua produção…”. “Isto liberou e desenvolveu a produtividade das áreas rurais.”

Posso dizer que há momentos na vida que tiram o fôlego. Foi o que experimentei quando cumprimentei a figura frágil de Yan Hongchang, um simples agricultor que dobrou o poderoso Partido Comunista Chinês.

Quem explica melhor o que se passou em Xiaogang é o próprio reformador Deng Xiaoping:
“O sucesso do trabalho rural de Xiaogang aumentou nossa confiança; nós aplicaremos a experiência da reforma rural nas cidades e faremos uma larga reforma no sistema econômico com foco nas cidades”.

“A contribuição do contrato de Xiaogang refletiu não apenas no nível material, muito mais, ele foi uma das mais importantes, profundas e persistentes influencia para o nosso país e a sociedade.”

A onda histórica da reforma saiu do campo da economia e foi para as áreas da politica, sociedade, cultura, etc.. com um poder irresistível. Com aquele acordo assinado à luz de velas no interior faminto da China, um grupo de homens sem muita instrução transformou a China.

Um documento que aliviou a fome de um quinto da população do planeta e se tornou um dos mais importantes programas de combate à pobreza do mundo.

Xiaogang é uma impressionante testemunha de que civilização e propriedade privada são inseparáveis. O resultado foi um dos maiores saltos de renda da história da humanidade.

Yan e seus amigos assinaram um documento que foi a certidão de nascimento da China moderna.
É um daqueles raríssimos documentos que mudaram o mundo.

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